Semana passada, eu falei um pouco da vida conturbada de Edgar Allan Poe. E agora volto para apresentar um dos poemas mais conhecidos do mestre do terror psicológico. "The Raven", ou O Corvo em português.
Muitos foram os autores que adaptaram esse poema para sua língua natal. O escolhido para ilustrar essa postagem é a tradução feita pelo escritor brasileiro Machado de Assis. As ilustrações abaixo são do pintor francês Gustave Doré que fez vários desenhos baseados no poema de Poe.
Boa leitura a todos!!!
O Corvo
Da meia-noite que apavora,
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga
De uma velha doutrina agora morta,
Ia pensando quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho,
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais".
Ah! bem me lembro! Bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o colchão refletia
A sua última agonia.
Eu ansioso pelo Sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora
E que ninguém chamará mais.
E o rumor triste, vago, brando
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido,
Enfim, por aplacá-lo aqui, no peito,
Levantei-me de pronto, e "Com efeito,
(Disse), é visita amiga e retardada
"Que bate as estas horas tais.
"É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais".
Minh'alma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo, e desta sorte
Falo "Imploro de vós - ou senhor ou senhora,
Me desculpeis tanta demora.
"Mas como eu precisando de descanso
"Já cochilava e tão de manso e manso,
"Batestes, não fui logo, prestemente,
"Certifica-me que aí estais".
Disse; a porta escancar, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.
Com longo olhar escruto a sombra
Que me amedronta, que me assombra.
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu, com um suspiro escasso,
Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.
Entro co'a alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais forte; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela
Alguma coisa que sussurra. Abramos,
"Eia, fora o temor, eia vejamos
"A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais,
"Devolvamos a paz ao coração medroso,
Obra do vento, e nada mais".
Abro a janela, e de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
de um lord ou de uma lady. E pronto e reto,
Movendo no ar suas negras alas,
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta em um busto de Palas:
Trepado fica, e nada mais.
Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gosto severo, - o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento
Eu eu disse. " Ó tu que das noturnas plagas
"Vens, embora a cabeça nua tragas,
"Sem topete, não és ave medrosa,
"Dize os teus nomes senhoriais;
"Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o corvo disse. "Nunca mais".
Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que eu lhe fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Coisa na terra semelhante a isto:
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é seu nome: "Nunca mais".
No entanto, o corvo solitário
Não teve outro vocabulário.
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda a sua alma resumisse,
Nenhuma outra proferiu, nenhuma.
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
"Tantos amigos tão leias!
Perderei também este em regressando a aurora";
E o corvo disse. "Nunca mais!"
Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
"Que ele trouxe da convivência
"De algum mestre infeliz e acabrunhado
"Que o implacável destino há castigado
"Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
"Que dos seus cantos usuais
"Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
"Esse estribilho: "Nunca mais".
Segunda vez nesse momento
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rudo;
E, mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera,
Achar procuro a lúgubre quimera,
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais".
Assim pôsto, devaneando
Meditando, conjeturando,
Não lhe falava mais;mas, se lhe não falava.
Sentia o olhar que me abrasava.
Conjeturando fui, tranqüilo, a gosto,
Com a cabeça no macio escosto
Onde os raios da Lâmpada caíam,
Onde as tranças angelicais
E agora não se esparzem mais.
Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso,
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível:
E eu exclamei então. " Um Deus sensível
"Manda repouso à dor que te devora
"Destas saudades imortais.
"Eia esquece, eia, olvida essa extinta Lenora".
E o corvo disse: " Nunca mais".
"Profeta, ou o que quer que sejas!
"Ave ou demônio negrejas!
"Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
"Onde reside o mal eterno,
"Ou simplesmente náufrago escapado
"Venhas do temporal que te há lançado
"Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
"Tem os seus lares triunfais,
'Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?"
E o corvo disse: "Nunca mais".
"Profeta, ou o que quer que sejas!
"Ave ou demônio que negrejas!
"Profeta sempre, escuta, atende, escuta
atende!
"Por esse céu que além se estende,
"Pelo Deus que ambos adoramos, fala.
"Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
"No Éden celeste a virgem que ele chora
"Nestes retiros sepulcrais,
"Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!"
E o corvo disse: "Nunca mais!"
"Ave ou demônio que negrejas!
"Profeta, ou o que quer que sejas!
"Cessa ai, cessa! ( clamei, levantando-me)
Cessa!
Regressando ao temporal, regressa
"À tua noite, deixa-me comigo...
"Pluma que lembre essas fatais
"Garras que abrindo vão a minha dor já crua"
E o corvo disse: "Nunca mais".
E o corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chã, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca mais!
1 Comentários (Comente aqui!):
14 de março de 2011 às 15:37
Massa, muito bom o poema do Poe, um grande mestre. Bem sobrio esse poema, um ar de escuridão foi a imagem que criei na mente. Abraços pessoal!
Laerte Lopes - Blog Medo
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